Estava eu sentado na sala da
presidência de uma multinacional farmacêutica, em frente ao seu jovem e competente
presidente, tendo, ao lado, uma profissional de uma conceituada empresa de
consultoria e seleção. Naquela época, eu ainda não havia chegado aos 50 anos.
Estávamos reunidos seguindo um
ritual de avaliação de resultados do nível gerencial, quando eu receberia o
feedback do meu trabalho. Somente eu, o presidente e ela.
Foi exatamente assim que ela iniciou: “Santarem, apesar da sua idade...”
Ao ouvir tais palavras, a projeção
de todos os eventos da minha vida profissional começou a aparecer na minha
frente. Via meus momentos de aprendizado, minhas batalhas corporativas, minhas
vitórias e as minhas derrotas também (não foram poucas). A imagem de centenas de
sorrisos de ex-alunos de pós-graduação, hoje profissionais muito bem colocados
no mercado de trabalho, derramavam-se na minha frente, também em projeção.
“Santarem, apesar da sua idade…”.
A frase ainda reverberava por todo o meu corpo. As ondas sonoras de cada palavra,
emitida por aquela voz agradável, me corroíam por dentro como um veneno.
Eu não podia mais ouvir, depois
daquelas palavras, muito do que era dito a meu respeito e a respeito do meu
trabalho, avaliado por aquela profissional. Não podia. Eu me sentia em um túnel
escuro, com a minha vida profissional passando pela minha frente, enxergando
uma luz branca e forte na minha frente.
“Pronto; morri!…”
O fato é que, resistindo a falta
de tato e de profissionalismo daquela pessoa, usei de todas as minhas forças
para voltar, de fato àquela reunião. De fato, porque, apesar de estar sentado
junto com eles, meu espírito tinha mergulhado e navegado por caminhos distantes,
virtualmente. Voltei.
Voltei daquele transe, certo de que
o “apesar da sua idade” tinha uma conotação preconceituosa; o preconceito do “Velho”.
Voltei certo de que a educação familiar que tive, não me permitiria ser grosseiro.
Voltei certo de que atitudes corporativas têm de ser seguidas à luz de códigos
de conduta que eu sempre respeitei.
Voltei e, o mais importante era
que eu estava lá de novo e poderia ouvir o restante da avaliação.
Resumo da história? “Apesar da
minha idade”, eu estava entre os gerentes que obtiveram o “mais alto grau de
avaliação”.
Nada tenho a discordar do termo “Velho”.
O velho aqui (eu) está extremamente ativo (até mesmo por necessidade); minha
filha do meio me colocou o apelido de velho e, quando ela me chama, a carga
desse apelido vem impregnada de um amor e um carinho maravilhoso! O ser velho,
me permitiu curtir uma neta linda e maravilhosa que me ensinou outro termo
gostoso de se ouvir para muitos velhos: “Vovô”.
Ficar velhos, ficaremos todos. Não
podemos ser, no entanto, como sabiamente fala um dos meus filhos, “Dinossauros
corporativos”. Não podemos ficar desatualizados. Ao escrever este texto, após
digitar o termo “curtir”, o corretor do Word recomendou-me substituir por “apreciar”
(!!). Não! Não vou substituir! (Caro Word, você está desatualizado!). Trabalhos
existem sobre tais “dinossauros corporativos” mostrando que suas atitudes não
têm, necessariamente, a ver com a idade.
Por outro lado, não podemos ser
preconceituosos. Conviver felizes com o inconformismo e com a sabedoria daqueles
com menos idade, é como beber da fonte da eterna juventude. Daí, eu gostar
tanto de dar aulas (a maioria dos meus alunos nem imagina que eu aprendo, em
classe, tanto quanto eles!).
“Santarem… apesar da sua idade…”,
naquela época me deixou atordoado…
Faço programas de treinamento
corporativo em grandes empresas, com eventos e turmas que ora se iniciam às 4:00
da manhã, com turmas que seguem no mesmo dia. Em alguns dias outras se iniciam
por volta de 1:00 da manhã!
Recentemente, ao realizar um exame
intensivo de capacidade pulmonar, a médica me disse, “Olha, quando chegar na
sua idade, eu quero ter a mesma força…”
Repararam? “Quando chegar na minha
idade”…
A experiência dos anos, nos
ensina que, na verdade, não existe nenhuma dose de ofensa em tais palavras,
muito pelo contrário.
Quando estava com cerca de 40
anos, a minha filha caçula me disse que eu era velho. Estava correto. Eu estava
envelhecendo. Mas quando um deles me perguntou: “Papai como era no seu tempo?”
Eu respondi, como era no passado, porque o meu tempo é agora…
…E pretendo ouvir, muitas e muitas vezes, “Santarem, apesar da sua idade…”
Carlos Santarem – 16/04/2020